sexta-feira, 27 de julho de 2012

São Paulo e a Arte de Flanar

Fui presenteado com o livro Os cem melhores contos brasileiros do século, uma coletânea dos melhores textos do gênero produzidos no Brasil ao longo do século XX e organizados por Ítalo Moriconi. A seleta de textos é puro prazer aos amantes da arte da palavra. Ao ler os contos de João do Rio (O bebê de tarlatana rosa e Dentro da noite) me recordei de uma passagem de Dom Casmurro, de Machado de Assis, autor do conto inicial do livro-presente, lembrei-me de quando Bentinho define o olhar de Capitu: Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Fui tomado por um encantamento e sob sua ação recorri ao oráculo dos novos tempos em busca de informações sobre o escritor e sua obra. Encontrei em versão digitalizada o livro A alma encantadora das ruas, em que o autor se apresenta como um flâneur e nos convida à arte de flanar que em suas próprias palavras consiste em: ser vagabundo e refletir, é ser basbaque e comentar, ter o vírus da observação ligado ao da vadiagem. Flanar é ir por aí (...) e mais adiante me surpreende ao falar sobre as ruas dotadas de alma: Oh! Sim, as ruas têm alma! Há ruas honestas, ruas ambíguas, ruas sinistras, ruas nobres, delicadas, trágicas, depravadas, puras, infames, ruas sem história, ruas tão velhas que bastam para contar a evolução de uma cidade inteira, ruas guerreiras, revoltosas, medrosas, spleenéticas, snobs, ruas aristocráticas, ruas amorosas, ruas covardes, que ficam sem pinga de sangue... Sofrendo da mesma patologia cultural que acomete o escritor Marcelo Duarte, somos paulistanos-obsessivos-compulsivos, baixei a tela do notebook e me imaginei vagueando pela megalópole paulistana. Imagine abrir sobre a mesa um mapa em que a Turquia está a lado da Bélgica, a Bolívia fica pertinho da Europa e a Venezuela faz fronteira com os Estados unidos! E a gastronomia?! Temos pizza de carne seca, caipirinha de saquê, bombinhas santas (docinhos feitos com água benta) e surpreenda-se temos ainda um prédio no formato de uma deliciosa melancia, sem nos esquecermos da gigante carambola que adorna outro edifício. E, em se tratando de arquitetura não podemos deixar de fora da lista o prédio-foguete construído no coração econômico da cidade e tampouco a grande Torá, livro sagrado dos judeus, aberta a todos os credos em uma avenida de grande movimento. Afinal uma cidade que nunca dorme tem muito a oferecer aos flâneur (Pardon, je ne parle pas français, alguém pode me ajudar com o plural?!). A essa altura você que gastou alguns preciosos minutos lendo este texto, deve estar se questionando quanto às faculdades mentais de quem o escreveu, ou ao menos curioso para conhecer essa cosmopolita cidade, se este for o sentimento que lhe toma agora aperte o off e saia flanando por aí. E por falar em passear a toa encerro com um poema do querido Paulo Leminski: pariso, novaiorquizo, moscoviteio, sem sair do bar, só não levanto e vou embora porque há lugares que eu nem chego a madagascar. Não sei, não, mas acho que ele estava falando de São Paulo!

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